Educação financeira tem prazo de validade | Por Luciana Seabra | De São Paulo

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Não somente de críticas é feita a pesquisa de Daniel Fernandes, John Lynch e Richard Netemeyer. Os Ph.D.s, que defendem com base na análise de 201 estudos empíricos que programas de educação financeira têm eficácia mínima, também se preocupam em dar sinais do que parece estar no rumo certo.

A contribuição mais valiosa é sobre o momento em que a intervenção tem mais chance de ser eficiente. A conclusão dos pesquisadores é que 12 horas de instrução dez meses antes do momento de tomada de decisão financeira são equivalentes a uma hora de informação imediatamente anterior.

Fernandes diz que ele e os outros pesquisadores não sabem ao certo porque o efeito da educação financeira decai tão rapidamente. Uma hipótese é que as pessoas esquecem o que aprendem. Outra é que o conhecimento adquirido no passado não se aplica à condição financeira do presente. “Por exemplo, o que foi aprendido sobre decisões em tempos de crescimento econômico não vale quando uma crise acontece”, diz o pesquisador.

A conclusão aponta para um modelo de educação financeira não de cursos genéricos prolongados, mas do chamado “just in time”, que Fernandes explica: “O tomador de decisão recebe informação específica para a decisão que está tomando logo antes dela, quando, por exemplo, vai comprar uma casa, um carro ou investir”.

Estudos como esse devem servir para orientar o uso mais efetivo de recursos, afirma Vera Rita de Mello Ferreira, consultora independente de psicologia econômica e integrante do Núcleo de Estudos Comportamentais (NEC) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Estratégias mal pensadas, como distribuir cartilhas tradicionais, diz, só devem atingir quem já se interessa por educação financeira.

Apesar de mostrar efeitos minúsculos em todos os tipos de intervenção financeira, Fernandes, Lynch e Netemeyer também oferecem pistas sobre uma gradação de eficácia. Aconselhamento sobre finanças, por exemplo, aparece como menos efetivo do que educação financeira na escola, que perde para a participação em seminários e workshops.

Para quem realmente precisa de orientação, Vera Rita também defende intervenções no momento em que a pessoa está prestes a tomar uma decisão. É o caso de orientação em um site sobre casamento ou bebês, por exemplo. Ela cita o exemplo do Reino Unido, em que uma parceria com parteiras garantiu que materiais de educação financeira direcionados chegassem às mães de primeira viagem.

Educação de adultos, entretanto, é quase uma “redução de danos”, na opinião de Vera Rita. Para ela, é preciso atacar também nas escolas, com alfabetização financeira de crianças e jovens. Para ela, nesse caso, é preciso deixar de lado a teoria e recorrer a jogos e situações do cotidiano.

O problema está na linguagem, defende William Eid, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A geração que agora deve ser alvo de educação financeira, lembra, é a de 140 caracteres máximos do Twitter. Além de ser oferecida às vésperas da decisão financeira, a instrução tem que ser curta e objetiva, defende Eid. Ele orientou uma dissertação de mestrado da economista Cíntia Urbina que tinha o objetivo de entender por que intervenções não funcionam.

A alternativa, diz Eid, não é o da palestra. Na linha de Vera Rita, ele sugere o caminho de sites de educação financeira, mas neutros, não os ligados a instituições. Lá, defende, deveria haver espécies de “check-lists” direcionados, como de orientações para quem vai morar sozinho ou fazer um “mochilão” na Europa, por exemplo.

A pesquisa aponta para outra tendência global em estudos de educação financeira: a chamada arquitetura da escolha, que consiste em mecanismos que direcionem as pessoas a tomarem boas decisões. Esse tipo de abordagem, em que de certa forma toma-se uma decisão pelo cidadão, foi consagrada pelo livro “Nudge”, dos especialistas em economia comportamental Richard Thaler e Cass Sunstein. Ela resulta na defesa de medidas como a inscrição automática em fundos de pensão, em que o funcionário tem que pedir para sair em vez de solicitar sua inclusão.

Para Vera Rita, a ideia é boa, mas deve ser complementar à educação financeira. Além disso, defende, o público-alvo deveria participar da construção da ideia. “Eles que vivem o cotidiano vão trazer um conhecimento muito útil na hora de fazer o desenho. Acho que não se deve chegar com nada de cima para baixo”, defende.

Afinal, o estudo pode ser usado como base para simplesmente não se investir em educação financeira? “De certa forma sim”, diz Fernandes. E cita outro estudo, publicado por Shawn Cole, Anna Paulson e Gauri Shastry, segundo o qual treinamento em matemática nas escolas tem efeito maior do que educação financeira. Apesar de ter motivado bastante debate, Fernandes diz ainda não ter visto programas que tenham sido implementados com base nos seus achados com Lynch e Netemeyer.


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